Por João Gabriel | Folhapress

Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
As discussões da COP30, a conferência sobre clima da ONU (Organização das Nações Unidas), vão começar sem ter clareza sobre quanto o mundo está chegando mais perto, ou mais longe, do ponto de colapso do aquecimento global.
Isso porque 134 dos 198 membros que integram a UNFCCC —o braço das Nações Unidas que cuida deste tema— não cumpriram com a obrigação de entregar, até o final de setembro, suas NDCs, as metas nacionais para redução de emissão dos gases que causam o efeito estufa.
O resultado foi que o órgão não foi capaz de calcular uma temperatura para a qual o mundo caminha, equação que mostraria o quão próximo a Terra está de atingir ou evitar o aquecimento de 1,5°C acima da era pré-industrial —limite estabelecido no Acordo de Paris, necessário, segundo cientistas, para evitar o colapso global.
Esse diagnóstico deveria constar no relatório-síntese das NDCs, publicado pela UNFCCC nesta terça-feira (28), mas que, diante da falta de informações fornecidas pela maioria dos países, não traz considerações sobre esse ponto.
O relatório analisou os dados apenas dos 64 países que submeteram suas metas climáticas dentro do prazo, um universo que compreende menos de um terço das emissões de gases-estufa do mundo.
"Não é possível desenhar conclusões amplas e de nível global ou inferências a partir desta base de dados limitada. Mesmo assim, este relatório destaca lições-chave sobre o progresso feito e os desafios adiante", admite o documento.
A situação ilustra uma situação mais ampla de incerteza quanto às ações de combate ao aquecimento global, postas em xeque diante da crise do multilateralismo, o que pode impactar os rumos da COP30.
Na última quarta-feira (22), o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação à era pré-industrial não será alcançada. "Ultrapassar o limite agora é inevitável", disse.
Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) repetiu apelos para que os países entregassem suas NDCs, inclusive na Assembleia-Geral da ONU, e chegou a sugerir punições a quem não cumprisse suas obrigações climáticas.
A COP de Belém marca os dez anos do Acordo de Paris e, por isso, este relatório deveria ser um marco importante para saber em que ponto o planeta se encontra nesta trajetória e, a partir das conclusões, guiar as negociações da conferência.
Dada a omissão dos principais poluidores do mundo, porém, o documento fica fragilizado.
Entre os que não entregaram suas NDCs no prazo estão China, Índia e União Europeia, três das quatro nações que mais emitem gases de efeito estufa.
Já os Estados Unidos, o maior emissor de todos os tempos, entregaram suas metas ainda sob o governo de Joe Biden, mas a expectativa é que elas sejam ignoradas com a volta de Donald Trump à Casa Branca. O atual presidente já anunciou a saída dos EUA do Acordo de Paris.
Diante deste cenário, a UNFCCC trabalhou também em estimativas paralelas ao relatório-síntese, que consideram, por exemplo, NDCs publicadas depois do prazo, promessas feitas pela União Europeia (que até agora, oficialmente ainda não terminou seu documento) ou então os objetivos que a China anunciou que cumprirá.
"Esse retrato mais amplo, mesmo que ainda incompleto, mostra que as emissões globais vão cair cerca de 10% até 2035", afirma o secretário-executivo do órgão, Simon Stiell.
A estimativa considera um rol de países que representam por volta de 2/3 das emissões globais.
O IPCC (painel científico da ONU), por sua vez, calcula que, para evitar que o mundo ultrapasse o aquecimento global de 1,5°C em comparação com os níveis anteriores à Revolução Industrial, essa redução teria que ser por volta de 60%.
De toda forma, a afirmação que a UNFCCC faz categoricamente é que, independentemente dos cenários, o mundo virou a curva das emissões, que agora começam a cair pela primeira vez.
O objetivo do órgão é publicar atualizações do relatório-síntese para embasar as discussões da COP30, que começa no próximo dia 10 em Belém.
A expectativa é que, até a cúpula de líderes (marcada para 6 e 7 de novembro, com chefes de Estado e de goveno, justamente para afinar as discussões da conferência principal), a maior parte dos países tenha entregado suas NDCs.
Se isso acontecer, a UNFCCC fará uma nova versão do relatório ainda no início da COP30 —mas não há garantia de que isso será possível.
"Ainda estamos na corrida, mas, para garantir um planeta habitável para os atuais oito bilhões de pessoas, temos que urgentemente acelerar o ritmo [das medidas de combate ao aquecimento global], na COP30 e em todos os anos subsequentes", completa Stiell.
O relatório-síntese desta terça compara apenas o escopo das 64 NDCs registradas com suas versões anteriores. Ele apresenta, nas palavras dele mesmo, "valiosos novos insights" sobre a situação.
Ele conclui, por exemplo, que se essas metas forem cumpridas, a redução das emissões seria de 17%, dentro deste universo.
Em termos de financiamento climático —tema que se tornou o calcanhar de aquiles das negociações—, este grupo de países calcula que o custo para atingir essas metas seria de mais de US$ 1,9 trilhão (mais de R$ 10 trilhões).
"Ainda, 41% das partes [dentro deste universo de 64 países] garantem que suas NDCs estão alinhadas com os objetivos a longo prazo do Acordo de Paris ou com os caminhos de mitigação para limitar o aquecimento global bem abaixo de 2°C ou 1,5°C", diz o relatório.
A avaliação do documento é que as NDCs estão ficando mais complexas e abarcando cada vez mais diversos setores e aspectos da economia, o que faz também com que, apesar da demora, elas sejam mais sólidas do que simples metas.
Segundo o relatório, 47% países apresentaram metas específicas para redução do uso de combustíveis fósseis na geração de energia —um dos principais entraves das discussões climáticas. Este escopo representa 9% da parcela total desta fonte na produção de eletricidade.

