Por Roberta Carneiro

Foto: Mari Neto / Divulgação
É típico do Brasil anunciar avanços em políticas públicas para, em seguida, adiá-los, cedendo a grupos de pressão. Foi o que aconteceu, recentemente, com a norma que obriga as empresas a incluir a avaliação de riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho.
Estamos falando de prevenção de riscos à saúde mental do trabalhador, o que inclui, por exemplo, o estresse ocupacional crônico, a Síndrome de Burnout, o assédio sexual e moral, a carga mental excessiva, o isolamento no ambiente de trabalho, jornadas extensas, metas exageradas e a exigência de hiperconectividade.
Problemas de saúde mental deram origem a 472.328 licenças médicas concedidas no Brasil em 2024, o maior número em 10 anos e um aumento de 68% em relação a 2023, segundo o Ministério da Previdência Social. Ansiedade (141,4 mil casos) e episódios de depressão (113,6 mil) foram as causas mais citadas. As mulheres representaram 64% dos colaboradores afastados.
Novo prazo
Em agosto de 2024, o Ministério do Trabalho e Emprego publicou a portaria 1.419/24, atualizando a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que trata de perigos ou fatores de risco ocupacional. A principal mudança foi explicitar que os empregadores devem identificar e avaliar riscos psicossociais no ambiente de trabalho, seja qual for o porte da empresa. Nesse grande avanço regulatório, a saúde mental passa a ter a mesma importância que a saúde física.
Além disso, será preciso elaborar e implementar planos de ação e medidas preventivas e corretivas. A eficácia das ações deverá ser monitorada periodicamente. As empresas serão inspecionadas por auditores-fiscais do Trabalho e estarão sujeitas a multas.
As empresas tinham nove meses, até o dia 26 de maio de 2025, para se adaptarem. Mas, faltando pouco mais de um mês para o fim do prazo, representantes de empregadores e de trabalhadores pediram o adiamento da entrada em vigor da norma, alegando que falta clareza sobre como aplicá-la.
O Ministério do Trabalho concordou com a prorrogação e anunciou que vai publicar um guia para a gestão de riscos à saúde emocional, lançar um manual técnico e criar um grupo de trabalho envolvendo governo, empresas e trabalhadores.
Empresas podem dar exemplo
Esse adiamento não impede que as empresas iniciem a implantação de suas políticas de promoção à saúde mental. Muitas delas, cuja consciência organizacional está mais evoluída, já as adotaram. São companhias que compreenderam a importância de cuidar dos colaboradores.
Reorganizar o trabalho, reduzir a sobrecarga, melhorar a qualidade de vida, promover relações interpessoais respeitosas e saudáveis, criar canais seguros de escuta e denúncia, bem como disponibilizar apoio psicológico, são medidas que toda empresa deve adotar. Afinal, a experiência mostra que, se as organizações não implementam governança e práticas de integridade e sustentabilidade por “amor”, acabam fazendo isso pela “dor”.
Na minha trajetória, tenho visto três formas de elevar a consciência dos grupos empresariais. Primeiro, pela própria essência da companhia e de suas lideranças, que prezam pelo cuidado com as pessoas e com o planeta. Segundo, por pressão ou constrangimento: a empresa faz parte da cadeia de valor de um grupo maior que exige de seus fornecedores e parceiros. E, terceiro, coercitivamente pela lei.
Mulheres nas empresas
Em setembro de 2022, por exemplo, foi publicada a Lei nº 14.457, que instituiu o programa "Emprega + Mulheres”. Além do objetivo de aumentar a empregabilidade feminina, essa lei determina que as empresas adotem procedimentos efetivos para prevenir e enfrentar o assédio sexual e outras formas de violência contra as mulheres no âmbito corporativo.
Outro exemplo aconteceu em julho de 2023, quando foi sancionada a lei 14.611, que estabelece a obrigatoriedade da "igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função”. As mulheres recebem, em média, 20,9% a menos que os homens nas 53.014 empresas com 100 ou mais empregados (as) que constam do 3º Relatório de Transparência Salarial e Igualdade, do Ministério do Trabalho e Emprego. Os dados têm como base o Relatório Anual de Informações Sociais de 2024, que analisou 19 milhões de vínculos.
Normas legais como essas atendem a dores reais da sociedade, muitas delas provocadas por empresas sem governança ou programa de integridade. Os problemas de saúde mental ligados ao trabalho se encaixam nesse perfil. Prevenir e combater essa dor - e qualquer tipo de dor - sempre é urgente.
Roberta Carneiro é advogada especializada em Sistema de Integridade/Compliance, Governança Corporativa, Ética Empresarial, Diversidade & Inclusão (D&I) e sustentabilidade. Conselheira certificada em CCoAud+ IBGC. Sócia-fundadora da Consultoria Eticar. Atua como Conselheira de Administração, exercendo a função de membro independente, em Comitê de Auditoria, Comitê de Ética, Comitê de Risco, Comitê de Governança e Comitê ESG. Coordenadora da Comissão de Ética e Integridade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) 2023-2024. Coordenadora-geral do IBGC Capítulo Bahia. Mestre em Direito, pós-graduada em Direito Público, com especializações em Compliance e Criminal Compliance. Especialista em Materialidade conforme as normas e padrões GRI 2021, IFRS e ODS, certificada internacionalmente pela Global Reporting Initiative (GRI) para Relato de Sustentabilidade.