Por Paulo Dourado

Foto: Tony Winston/Agência Saúde-DF
O Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu, no último dia 28, o uso de anestesia geral, sedação e bloqueios anestésicos para realização de tatuagens estéticas. A decisão, publicada por meio da Resolução n.º 2.146/2024, estabelece que o procedimento só pode ser feito quando houver indicação médica, em ambiente adequado e com supervisão de um profissional habilitado. A medida reacende o debate sobre segurança do paciente, limites da autonomia individual e legalidade da atuação médica em procedimentos fora do ambiente hospitalar.
Segundo o presidente da Sociedade de Anestesiologia da Bahia, Fábio Maron, a decisão tomada pelo CFM teve como principal objetivo a proteção da “segurança do paciente e preservação da ética médica”.
“O objetivo, na verdade, dessa resolução do CFM é a proteção da segurança do paciente e preservação da ética médica. O CFM ressalta que não há respaldo científico para anestesiar procedimentos estéticos. E com isso, existe uma exposição a riscos desnecessários com absorção sistêmica de pigmentos e metais pesados, que estão ali na composição da tinta da tatuagem”, explicou Fábio Maron.
Segundo a nova resolução, casos de exceção são permitidos pela nova norma, desde que inseridos em contextos cirúrgicos e com envolvimento de médicos habilitados.
“Existem exceções. Não são todas as tatuagens que estão sendo proibidas. Na verdade, aquelas situações, principalmente cirurgias reparadoras, cirurgias oncológicas, onde muitas vezes o cirurgião plástico faz algum tipo de tatuagem durante o procedimento cirúrgico, essa sim é permitida porque existe ali um médico, um colega, executando essa função”, afirmou Maron.
A resolução foi motivada por um caso de grande repercussão: a morte do empresário e influenciador Ricardo Godoi, que morreu após receber uma anestesia geral para fazer uma tatuagem de "fechamento de costas" em um hospital particular de Itapema, no Litoral Norte de Santa Catarina, em janeiro deste ano.
“O motivo que levou toda essa mudança, toda essa resolução, foi justamente o caso do influenciador jovem que terminou morrendo agora em janeiro ao receber uma anestesia geral em uma clínica particular, fazendo tatuagem. Foi feita toda uma análise, uma investigação do caso, e o médico foi denunciado por homicídio culposo”, detalhou o presidente da sociedade baiana.
O risco à saúde é um dos principais pontos levantados por especialistas. Maron destacou os principais riscos à saúde do cliente e acrescentou que os estúdios de tatuagem não possuem estrutura adequada para suporte em emergências médicas.
“Você tem riscos que envolvem desde falha ventilatória, o paciente pode ter uma depressão respiratória, pode ter um risco de broncoaspiração, um choque anafilático desencadeado por alergia a algum componente, pode ter um comprometimento cardiovascular. Por isso, você precisa investigar, estudar o paciente previamente e realizar uma consulta pré-anestésica. E, além disso, os estúdios de tatuagem não têm uma infraestrutura para monitoramento ou suporte emergencial.”
O argumento de que a norma interfere na autonomia do paciente foi rejeitado tanto por Maron quanto por José Abelardo de Meneses, conselheiro do Cremeb e também médico anestesiologista.
“Todo paciente tem o direito de não sentir dor. Acontece que, numa situação dessas, termina não sendo bem um paciente. O conceito de paciente não está bem definido quando a pessoa quer fazer uma tatuagem. O CFM recomenda que qualquer procedimento seja feito mediante um médico ou especialista, que possa resolver complicações, caso ocorram”, disse Maron.
“O paciente continua, o cidadão continua tendo sua autonomia em fazer suas tatuagens na extensão que bem desejar. O que não está correto, e nesse ponto o Conselho Federal de Medicina está absolutamente correto, é que um médico anestesiologista proceda à anestesia para um profissional que não é médico. Porque a anestesia é uma especialidade, é uma prática médica. Ela vai levar um profissional médico a realizar um procedimento por meio da sua prática”, afirmou Meneses.
“Quando eu falo legalidade, eu quero dizer que a prática da tatuagem, feita pelo cidadão chamado tatuador, não existe na legislação brasileira. E a Constituição Federal garante, no artigo 5º, inciso 13, o livre exercício profissional, atendidas às qualificações profissionais que a lei estabelecer. Portanto, não existindo esta profissão, não pode o médico anestesiologista atender às suas necessidades como profissional”, acrescentou.
Na visão de Meneses, há respaldo legal para a resolução do CFM, incluindo a própria Lei do Ato Médico (12.842/2013), que reserva procedimentos anestésicos exclusivamente a médicos.
“A Lei 12.842 de 2013 estabelece as atividades privativas do médico. Entre estas, está a indicação e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos e, prestem atenção, ou estéticos. Então, é um procedimento que deve ser feito por médico.”
O risco também está associado à absorção dos pigmentos usados nas tatuagens. Segundo Meneses, não há comprovação científica suficiente sobre os efeitos dessas substâncias no organismo, principalmente em áreas grandes do corpo.
“As tatuagens de grandes extensões no corpo elevam absurdamente o risco de absorção sistêmica daqueles pigmentos que são colocados sob a pele. Esses pigmentos são constituídos de metais pesados: cádmio, níquel, chumbo, cromo e outros componentes das tintas. Não há conhecimento científico ainda que possa estabelecer quais são as consequências ou quais serão essas consequências para o organismo humano.”
Além disso, o anestesiologista pode ser responsabilizado em caso de complicações, inclusive com sanções que vão desde advertência até cassação do exercício profissional, conforme estabelecido pela legislação médica.
“A Lei n.º 3.268, de 30 de setembro de 1957, estabelece as cinco possíveis sanções para o médico que responder a processo e for julgado culpado: advertência confidencial, censura confidencial, censura pública, suspensão do exercício profissional por até 30 dias e cassação do exercício profissional, a qual é a sanção mais gravosa”, alertou o conselheiro do Cremeb.
Diante disso, tanto o Cremeb quanto o CFM orientam que denúncias sejam feitas sempre que houver indícios de atuação médica irregular em estúdios de tatuagem.
“Qualquer cidadão que perceba que um ato médico está sendo feito fora das normas tem o direito, e mais, tem o dever, de denunciar ao Conselho Regional de Medicina, para que o Conselho aprecie técnica e eticamente qual é esse procedimento e como deveria ter sido feito. É muito simples: entre no site do Cremeb, cremeb.org.br, e lá tem as instruções todas para quem desejar fazer uma denúncia”, concluiu Meneses.